terça-feira, 6 de outubro de 2009

A cultura da descartabilidade


O processo de industrialização iniciado na Revolução Industrial teve inúmeras consequências, entre elas, a produção acelerada de bens de consumo, o crescimento do comércio e o nascimento das indústrias. Ao propiciar o acesso a produtos que antes eram privilégio de poucos, inaugurou também uma nova era cultural. Em um mundo onde tudo e todos podem ser comprados surge o consumismo.

Este fenômeno da sociedade contemporânea ampara-se nas técnicas de marketing, sustenta-se e é influenciado pela propaganda - ambas embasadas na Ciência (Psicologia, por exemplo) -, as quais ditam normas sobre o que consumir, e geram uma inversão de valores entre o útil e o necessário. Entre este e aquele permeia o descartável. O necessário ou o útil de hoje, fatalmente, sê-lo-á supérfluo amanhã...

Assim, já não nos contentamos em ter dois ou três pares de sapatos e algumas trocas de roupas, e enchemos nossa sapateira e nosso guarda-roupas com inúmeros calçados e roupas que se tornarão "demodê" na próxima estação...A sensação é a de que escravizantes convenções ditam normas sobre o que é belo, sobre o que é bom. Ao ditar o belo, implícito está o feio, o que não deve ser usado. Estar na moda é garantia de aceitabilidade durante alguns meses... Não questionamos o quanto a beleza imposta é dogmática, fere o subjetivo, a percepção individual, atenta contra a diversidade...

A imposição do supérfluo faz-se notar em todas as fases de nossa vida. Antes mesmo de nascer, várias crianças são esperadas com todo um aparato de roupinhas e brinquedos supérfluos; diferentes ícones anuais seduzem as crianças na escolha de suas mochilas escolares; diversos acessórios e roupas erotizam mais cedo os jovens; a tecnologia nos permite que a satisfação dure apenas o instante da obtenção de nosso novo aparelho (TV, celular, PC etc.), pois que novos aparelhos de maiores recursos são lançados no mercado a uma velocidade vertiginosa...
Em nossa maturidade, matâmo-nos no trabalho , em detrimento da convivência no lar, para amealharmos recursos que nos possibilitem comprar sonhos. Em nossa velhice abundam opções de turismo e lazer que nos fazem desvalorizar o que conseguimos por nunca achá-los suficientes...


Este mundo industrializado fez nascer novas exigências no mercado, qualificações outras para o mundo do trabalho. Profissões foram desvalorizadas ou extintas; condenou-se o artesanal a produto raro. Um exemplo: a moda pret-à-porter. Esta expressão, que significa "pronto para usar", para vestir, surgiu em 1946 com J.C.Weill e foi inspirada na expressão norte americana "ready to wear". Refere-se à roupa comprada pronta em lojas, seja fabricada industrialmente, ou feita à mão. A moda pret-à-porter inaugurou a decadência de profissões como costureiras e sapateiros, bastante comuns a algumas décadas. Saber costurar, inclusive, fazia parte da preparação de uma jovem para o casamento...Hoje, quando encontramos costureiras e sapateiros, o nobre ofício se restringe a pequenos consertos...Nossas roupas, nossos calçados, encontrâmo-los em lojas em grande quantidade e, às vezes, baixa qualidade...Consertá-los talvez saia mais caro: é melhor descartá-los...

A par dos grandes benefícios que a industrialização nos proporcionou penso ser salutar uma reflexão sobre suas consequências. E uma delas é a criação de uma cultura da descartabilidade e o quanto ela nos afeta. Hoje consumimos de tudo e de todos; as pessoas buscam cada vez mais a felicidade mas, esta é vista, assim como o prazer, como um artigo de consumo...A grande frustração das relações ocorre, na maior parte das vezes, pela sua fugacidade...

A cultura da descartabilidade caracteriza-se pela efemeridade; seu paradigma engloba muito mais do que a aquisição de produtos, invadindo o âmago de nossas relações interpessoais, gerando uma fragilidade, uma incerteza na construção de vínculos sólidos, estáveis. O reflexo do mundo do descartável: pessoas descartáveis!

Houve uma substituição de sentimentos como amor, companheirismo por desconfiança, competitividade. Os relacionamentos de hoje caracterizam-se por serem de curto prazo ou mesmo virtuais. O "ficar" ( gíria dos jovens que se refere ao "namoro" de um dia só) dos jovens é um exemplo do consumismo afetivo. Substituem-se pessoas como substituem-se máquinas; vendem-se conselhos e orientações no profissionalismo bem pago de consultórios e escritórios...Busca-se a compra da felicidade; porém, a satisfação de tê-la dura apenas o instante da compra...

O imediatismo nos faz consumir fast-foods, alimentos semi-prontos, instantâneos , de rápido preparo e nos reúne em mesas de restaurantes...Faz-nos desvalorizar a dona de casa, alienarmo-nos com relação à fabricação do necessário, pois que já não temos tempo para produzir nosso próprio alimento e, nem mesmo sabemos como fazê-lo...

A cultura da descartabilidade escancara uma consequência: o lixo dos produtos, o lixo humano dos excluídos, o lixo dos valores, o lixo do original, o lixo da sensibilidade, o lixo da música (?!) que só dura um mês...o lixo da notícia do jornal (que só dura até a próxima...).

É preciso repensar onde colocaremos tanto lixo. Se dos produtos já se evidencia a necessidade da reciclagem, em prol da saúde do Planeta, como faremos com os sub-produtos, resíduos de nossas relações? Não sou descartável; não temos de ser descartáveis.

Alertêmo-nos e alertemos nossas crianças, vítimas da sociedade consumista que criamos! Saibamos orientarmo-nos e orientá-las para o assédio das propagandas, da publicidade que tudo vende e impõe necessário. Saibamos discernir e abrir-lhes os olhos no discernimento do essencial. Vigiêmo-nos e vigiêmo-las para que saibamos identificar o lado patológico do consumismo: a compra desenfreada e sintomática de bens desnecessários.

Não estou aqui tentando, na contramão da História, fazer uma apologia pela volta à "simple life"...Como no programa de TV, infelizmente seria ridículo e hilário...Apenas dei-me conta, ao vir morar numa chácara, do quanto nos cercamos de uma parafernália de coisas ditas imprescindíveis...Dei-me conta do quanto é prazeroso fazer e comer o próprio pão, do quanto são belos os sons da Natureza que a cidade afasta e abafa; do quanto o essencial não se encontra nas propagandas de TV e nas vitrines das lojas...

2 comentários:

Anônimo disse...

Olá minha amiga Leninha!
Os temas que desenvolves são bastante pertinentes.
Passar um domingo numa grande superfície com a família percorrendo corredores e vendo produtos só pode conduzir a que se comprem coisas que não são necessáris; Era e é bem mais saudável fazer um piquenique com a família, jogar com os filhos ou descobrir a natureza seria uma forma bem mais saudável e proveitosa para toda a família. Mas não. Fecham-se em lugares onde o apelo ao consumismo é bem preparado e é assim que se ensina a consumir.
Mas neste momento a sobrecarga das famílias é tão elevada que já há muitas a entrarem em reestruturação da forma de se organizarem para não consumirem aquilo de que não precisam.
A facilidade como as empresas se descartam dos seus trabalhadores não dá segurança a ninguém...
Têm que reformular a sua forma de viver. Terão que redescobrir novos estilos de vida e verificar que para sermos felizes não precisamos de ter o guarda-fatos a abarrotar com peças que não usam, nem a sapateira repleta de pares de sapatos...precisamos sim, de ter saúde, de ter uma casa cheia de amor e trabalho para ganharmos o pão-nosso de cada dia.
Um abraço da amiga
Nau

Anônimo disse...

Sua reflexão me trouxe outras á memoria, resolvi colocá-la aqui assim compartilho com vc algumas opiniões sobre esse assunto tão serio!
abreijos
Mára

Alguns produtos expostos na vitrine dos shoppings deviam trazer explicíta a tarja:
"A RENDENÇÃO E NEM A FELICIDADE, ESTÃO Á VENDA HOJE".
Como prevenção á propaganda enganosa...
Você não compra um produto.Nunca.
Não se iluda; você compra é um sonho, um desejo de consumo
colado na sua mente através da publicidade. E assim inconscientemente vamos suprindo uma carência afetiva. Afinal...do que precisamos?